NOTA TÉCNICA 01/2020

04/03/2020 | Notas técnicas

O IBDP, entidade de cunho científico, que tem por um de seus objetivos institucionais atuar junto aos poderes públicos com vistas ao aperfeiçoamento da legislação de Seguridade Social, vem, por meio desta Nota Técnica, se manifestar a respeito do Projeto de Lei 6526/2019:

Tal Projeto tem por meta alterar “a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), para dispor sobre a responsabilidade do empregador pelo pagamento de salários após a cessação ou o indeferimento do benefício previdenciário a seu empregado e estabelecer a competência da Justiça do Trabalho para as ações que objetivem o esclarecimento da questão relativa à aptidão ou à inaptidão para o trabalho e a condenação ao pagamento do salário ou do benefício previdenciário, na hipótese de divergência entre a conclusão da perícia médica do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) e o exame médico realizado por conta do empregador”, transferindo da Justiça Federal para a Justiça do Trabalho a competência para julgar ações relativas ao fato jurídico denominado “limbo previdenciário”.

O fenômeno chamado “limbo previdenciário” ocorre quando a perícia médica feita no INSS entende pela ausência de incapacidade laborativa, divergindo do entendimento do médico do trabalho vinculado ao empregador, que entende pela existência de incapacidade; nessas situações, a empresa se nega a aproveitar o trabalhador e a autarquia previdenciária nega o pedido de benefício previdenciário, criando-se, assim, fragilidade econômica ao segurado.

Com relação ao projeto em questão, nota-se que é dividido em dois temas principais. O primeiro deles é a definição de regras claras sobre a “responsabilidade do empregador pelo pagamento de salários após a cessação ou o indeferimento do benefício previdenciário a seu empregado”. O segundo tema é relacionado à fixação da competência “para as ações que objetivem o esclarecimento da questão relativa à aptidão ou à inaptidão para o trabalho e a condenação ao pagamento do salário ou do benefício previdenciário, na hipótese de divergência entre a conclusão da perícia médica do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) e o exame médico realizado por conta do empregador.”

Em relação ao primeiro tema, o IBDP, por meio de sua diretoria científica, entende que, diante das incertezas causadas pelas regras atualmente existentes, é de bom alvitre a adoção de regras claras a respeito da responsabilidade financeira pelo pagamento dos salários do trabalhador que se encontre em situação de limbo previdenciário, para sua segurança econômica e de seu núcleo familiar. Nesse sentido, a inclusão do parágrafo único do art. 476 da CLT, fixando que o empregador, ainda que o exame médico realizado por sua conta ateste a inaptidão do empregado para o trabalho, deverá manter o pagamento dos salários, exceto se houver recusa deliberada e injustificada do empregado em assumir a função anteriormente exercida ou aquela para a qual tenha sido readaptado” é medida protetiva dos direitos e interesses dos segurados, e pode ser acolhida para os debates técnicos a serem realizados no Congresso Nacional.

Todavia, a inclusão do art. 643-A, caput e §1º, no texto da CLT, fixando regras de competência de ramo do Poder Judiciário Federal, nos parece notoriamente inconstitucional, pois as hipóteses de competência da Justiça Federal e da Justiça do Trabalho estão elencadas claramente nos arts. 109 e 114 da Constituição Federal, de modo que qualquer alteração das regras de competência desses ramos do Poder Judiciário demandaria um Projeto de Emenda Constitucional, não sendo juridicamente possível a alteração dessas regras por meio de um projeto de lei.

Ademais, no mérito, é importante lembrar que o próprio Tribunal Superior do Trabalho já pacificou sua jurisprudência no sentido de que a perícia feita no âmbito do INSS deve ser priorizada em relação aos laudos de medicina do trabalho do empregador[1]. Ou seja, a causa em que se discuta se a perícia do INSS estava correta é causa em que autarquia federal é parte do processo, submetendo-se à regra de competência do art. 109, I, da Constituição Federal.

Por fim, quanto aos §§2º a 5º da alteração proposta com a inclusão do art. 643-A à CLT, entendemos que trazem em si medidas processuais positivas aos interesses dos trabalhadores e que poderiam ser aproveitadas como parágrafos do art. 476 (renumerando-se o parágrafo único para §1º), apenas com algumas retificações, para que se respeitem as competências da Justiça Federal e da Justiça do Trabalho, tais quais estão previstas no texto expresso dos arts. 109 e 114 da CF; ou seja, a Justiça Federal seria a competente para a determinação contida no §4º do pretendido art. 643-A, em respeito ao art. 109, I, da CF, e a Justiça do Trabalho seria a competente para a determinação contida no §3º do mesmo dispositivo, em respeito ao art. 114, I, da CF.

Dessa forma, concluímos que o PL em questão é positivo, ao estabelecer medidas processuais de tutela dos interesses dos trabalhadores e fixar regras de responsabilidade salarial para o pagamento das verbas remuneratórias durante processo, judicial ou administrativo, em que o trabalhador pugna pelo reconhecimento de sua incapacidade laborativa, após indeferimento ou cessação de seu benefício por incapacidade; mas é inconstitucional ao fixar regras de competência que violam os arts. 109, I, e 114, I, ambos da CF.

[1] “I – AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO NA VIGÊNCIA DA LEI 13.467/2017. RETORNO DA EMPREGADA APÓS ALTA PREVIDENCIÁRIA. TRABALHADORA CONSIDERADA INAPTA PELA EMPRESA. LIMBO PREVIDENCIÁRIO. PAGAMENTO DOS SALÁRIOS. RESCISÃO INDIRETA DO CONTRATO DE TRABALHO. No caso concreto, as matérias impugnadas no recurso de revista e reiteradas nas razões do agravo de instrumento não possuem transcendência econômica, política, jurídica ou social . Agravo de instrumento não provido. II – RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO NA VIGÊNCIA DE LEI 13.467/2017. LIMBO PREVIDENCIÁRIO. PAGAMENTO DA PARTICIPAÇÃO NOS LUCROS E RESULTADOS. RECUSA DO EMPREGADOR EM FORNECER TRABALHO. ATO ILÍCITO. AUSÊNCIA DE TRANSCENDÊNCIA. Decisão do Tribunal Regional em conformidade com a jurisprudência desta Corte Superior, segundo a qual, concedida alta previdenciária ao obreiro é ilícito o empregador não permitir o retorno do empregado ao trabalho, devendo este assumir o ônus decorrente do indeferimento de prorrogação ou restabelecimento do benefício a cargo do INSS. Condenação da reclamada ao pagamento dos salários do período em que obstado o retorno da empregada ao trabalho, inclusive em relação a PLR do período . Caso em que não se verifica nenhum dos indicadores de transcendência previstos no art. 896-A, § 1.º, da CLT. O valor da causa não é elevado, o acórdão ressoa na jurisprudência do TST, a controvérsia não afeta matéria nova atinente à interpretação da legislação trabalhista, tampouco se trata de recurso interposto por reclamante, na defesa de direito social constitucionalmente assegurado. Recurso de revista não conhecido ” (ARR-1001086-08.2016.5.02.0467, 2ª Turma, Relatora Ministra Delaíde Miranda Arantes, DEJT 21/02/2020).”

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