Rebeldia judiciária e ação rescisória em matéria previdenciária

15/08/2019 | Artigos

Sendo técnico como se dever ser, não há como utilizar o termo jurisprudência ao lado das expressões súmula e precedente, pois a jurisprudência – que confirma uma tendência – não é dotada de eficácia vinculante. Assim, é importante mencionar o entendimento do Enunciado n. 11, da ENFAM (que não vincula): “Os precedentes a que se referem os incisos V e VI do §1º do art. 489 do CPC são apenas mencionados no art. 927 e no inciso IV do art. 332”.

 

A 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do REsp 1.163.267/RS, entendeu que a desobediência judiciária não pode ser referendada em detrimento da segurança jurídica, da isonomia e da efetividade da jurisdição, e firmou o entendimento de que a sentença rebelde pode ser desconstituída por meio de ação rescisória. [1]

 

Note-se que, nesse caso, a Súmula n. 343/STF não obsta o ajuizamento de ação rescisória, independentemente de haver questão constitucional a ser interpretada. Se a decisão rescindente foi proferida sob a égide do novo entendimento sumulado e/ou submetido ao rito dos recursos repetitivos, o dissídio jurisprudencial sobre o tema deve ficar no passado. Em poucas palavras, sendo a decisão proferida em sentido contrário ao que se superou por meio de precedente com força vinculante, está-se diante de rebeldia judiciária.

 

Assim, por exemplo, se hoje ainda alguma decisão for contrária ao que se decidiu no recurso repetitivo (tema 982) do STJ, no qual se fixou a seguinte tese: “Comprovada a necessidade de assistência permanente de terceiro, é devido o acréscimo de 25%, previsto no artigo 45 da Lei 8.213/1991, a todas as modalidades de aposentadoria.”, é cabível ação rescisória, com fundamento na hipótese de manifesta violação à norma jurídica.

 

Da mesma forma, “fundamentar uma sentença numa súmula ou num precedente que não corresponde à hipótese sob análise no processo equivale a ofender a norma consubstanciada na jurisprudência de observância necessária”.[2]

 

O CPC/2015, no art. 489, § 1º, V e VI, reforça o entendimento de que é do julgador o ônus de identificar os fundamentos determinantes ou demonstrar a existência de distinção no caso em julgamento ou a superação do entendimento, sempre que invocar jurisprudência, precedente ou enunciado de súmula. Para Daniel Amorim Assumpção Neves, “os incisos V e VI do § 1º, do art. 489 do novo CPC criam um dever do juiz, não sendo legítimo se criar um ônus para a parte onde a lei não o prevê e sequer o sugere”.[3]

 

De fato, ao julgador cabe aplicar o Direito, podendo inclusive aplicar lei não invocada pelas partes[4]; mas a ele não é possível aplicar um enunciado de súmula ou acordo proferido em julgamento de casos repetitivos à situação fático-jurídica que não corresponde ao seu alcance, não sem identificar os fundamentos determinantes e a demonstração da existência de distinção ou superação do entendimento.

 

Diego Henrique Schuster

Adjunto da Diretoria Científica do IBDP

 


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Bah1: PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO RESCISÓRIA. SENTENÇA RESCINDENDA. JULGAMENTO CONTRÁRIO A ENTENDIMENTO SUMULADO NO STJ (SÚMULA N. 289). DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL SUPERADO. SÚMULA N. 343/STF. NÃO INCIDÊNCIA. SEGURANÇA JURÍDICA. UNIFORMIDADE E PREVISIBILIDADE DA PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. NECESSIDADE. 1. A principiologia subjacente à Súmula n. 343/STF é consentânea com o propósito de estabilização das relações sociais e, mediante a acomodação da jurisprudência, rende homenagens diretas à segurança jurídica, a qual é progressivamente corroída quando a coisa julgada é relativizada. 2. Porém, o desalinho da jurisprudência – sobretudo o deliberado, recalcitrante e, quando menos, vaidoso – também atenta, no mínimo, contra três valores fundamentais do Estado Democrático de Direito: a) segurança jurídica, b) isonomia e c) efetividade da prestação jurisdicional. 3. A Súmula n. 343/STF teve como escopo a estabilização da jurisprudência daquela Corte contra oscilações em sua composição, para que entendimentos firmados de forma majoritária não sofressem investidas de teses contrárias em maiorias episódicas, antes vencidas. Com essa providência, protege-se, a todas as luzes, a segurança jurídica em sua vertente judiciária, conferindo-se previsibilidade e estabilidade aos pronunciamentos da Corte. 4. Todavia, definitivamente, não constitui propósito do mencionado verbete a chancela da rebeldia judiciária. A solução oposta, a pretexto de não eternizar litígios, perpetuaria injustiças e, muito pelo contrário, depõe exatamente contra a segurança jurídica, por reverenciar uma prestação jurisdicional imprevisível, não isonômica e de baixa efetividade. 5. Assim, a Súmula n. 343/STF não obsta o ajuizamento de ação rescisória quando, muito embora tenha havido dissídio jurisprudencial no passado sobre o tema, a sentença rescindenda foi proferida já sob a égide de súmula do STJ que superou o mencionado dissenso e se firmou em sentido contrário ao que se decidiu na sentença primeva. 6. Recurso especial provido para, removendo-se o óbice da Súmula n. 343/STF, determinar o retorno dos autos à Corte Estadual para que se prossiga no julgamento da ação rescisória. (REsp 1163267/RS, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 19/09/2013, DJe 10/12/2013).
Bah2: THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil – execução forçada, processos nos tribunais, recursos e direito intertemporal. vol. 3. 49. ed. rev., atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense, 2016. p. 857.
Bah3: NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de direito processual civil. 8. ed. Salvador: Juspodivm, 2016. p. 131.
Bah4: REsp 1280825/RJ, Rel. Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, QUARTA TURMA, julgado em 21/06/2016, DJe 29/08/2016.

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